quinta-feira, 30 de maio de 2013

6. OS CACOS DE LADRILHOS BRANCOS NA OBRA DE DANDI



Maria pega seu carro e sai para dar uma volta na cidade que ainda dormia o feriado. Um dia ensolarado, com aquela aragem de quase inverno com poucas pessoas a habitar as ruas.
No semáforo, fechado para os carros, Maria observa um homem, de tez rude, já enrugada pela vida, com barbas ruivas e ar desleixado, sentado do outro lado da rua.
Na sua volta quadros com pinturas de paisagem cotidianas, misturadas com as paisagens da cidade de pedras.
As imagens pairavam em cima de cacos de ladrilhos brancos. Do seu lado, potes de tinta guache, o homem usava o dedo como pincel para traçar novas imagens...
Não se tratava apenas de um morador de rua, daqueles que pedem dinheiro para comprar um pacote de fraldas para o filho, ou então para comprar uma lata de leite para o recém nascido que ficou em casa, ou ainda para juntar dinheiro de volta para sua terra natal.
Maria, que vê coisas que outros olhos não vêem, observa o homem com os traçados dos dedos a burburinhar palavras como se tivesse a ouvir de seu lado - Vicent Willem Van Gogh, a lhe dizer:  -                     
- Carregue de azul mais ali!
- Apenas esfumace com os dedos!        Como se estivesse ali, ao pé de seu ouvido, um grande artista a lhe guiar o traçado...  
Maria fica absorta a mirar o homem e sua obra. Num passe de mágica, como quem esta há cronometrar o tempo que um semáforo permanece fechado, o homem se levanta e vem em direção aos carros oferecendo sua obra, ainda molhada, das tintas que não cabiam na lapide fria daqueles ladrinhos brancos.
O homem passa pelos carros da frente, passa por mais uma ou duas janelas e para como quem desiludido da vida na janela de Maria...
Maria, agora, não mais observa a pintura, mas a tez rude daquele homem com dedos de artista, que antes, em contato com outras esferas, agora se depara com a frieza do homem em terra.
Maria vendo o homem se aproximar vai lentamente abrindo a janela de seu carro.
Sem muito tempo a perder o homem se aproxima e diz:  
- Dona é cinco real os dois quadros!
- Eu sei que é muito dinheiro, mas é o que eu posso fazer, pois os cacos eu junto na rua, mais a tinta, eu tenho que comprar...
Eu pinto para não enlouquecer, pois essas imagens ficam dentro de minha cabeça e preciso concretizá-las, são muitas imagens, e eu não tenho mais onde guardá-las, por isso eu pinto...
Maria, aproximando-se dos cacos de ladrilhos sente que a tinta ainda fresca não pode ser borrada...
Olha para o homem com olhar perdido no horizonte, a cronometrar o temporizador do semáforo.
- Dona!
- Apenas cinco real!
Maria perde-se no tempo a admirar a arte do artista de cara rude, pintada pela vida, agora um pouco mais de perto.
-  Moço eu gostaria que você assinasse sua obra!
       -  Mas, dona!
       -  Ninguém vai se importar com meu nome!
       -  Mas eu vou me importar!
       -  Por favor, assine...
- Ta bom!
-  Meu nome é Dandi!
  Maria, encantada com a destreza do homem de pele rude e mãos habilidosas, a assinar sua arte, abre sua carteira e compra as duas obras do artista, por um valor um pouco maior que cinco reais.
-  Dandi!
-  Esse valor é pela obra, e esse aqui é para você comprar mais tintas...
Dandi a olhar em suas mãos, o valor que lhe foi oferecido por Maria, não lhe cabe mais de felicidade...
       - Muito obrigado dona, muito obrigado!
       - Qual seu nome?
       - Meu nome é Maria!
       - Maria!!!!
       - Que nome lindo, era o nome de mãe!
       - Muito  obrigado Maria, muito obrigado mesmo!
      Dandi sai em disparada correndo para recolhe suas tralhas e sai saltitante, como se já ganhasse a feira do dia...
    E Maria vê o homem a sumir diante de seus olhos como num passe de mágica..
   Maria desperta com o buzinar dos carros, avisando que o sinal já estava verde...
    Ao lenvatar-se e iniciar seu dia, Maria olha na parede de seu corredor e vê as duas obras de Dandi emolduradas e fixas  na parede de sua casa - todos os dias Maria se questiona se o sonho foi real ou fantasia.



Albertina Chraim

domingo, 26 de maio de 2013

5. O ABRAÇO



Era uma casa simples porem bonitinha, tudo estava no lugar... Mas, a poeira parecia que a casa estava desabitada por algum tempo... Uma casa que depois do falecimento da matriarca e do patriarca não mais havia sido habitada, mas tudo estava la, no lugar... Maria entrou com cuidados e num passe de mágica as luzes acenderam, iluminando toda a sala de tapetes vermelhos... Maria, com destreza começa a varrer a casa onde seu marido passou a infância... O carpete vermelho mostrava a imponência do lugar, as damas de porcelanas chinesas completavam a decoração da mesa ao lado do narguilé de bomba azuis, e as duas cadeiras de madeira de encosto alto dava a ideia de trono - era como se aquele espaço lhe fosse conhecido... No painel da parede a foto do sogro com um turbante quadriculado vermelho envolto na cabeça e no porta retrato na mesinha de canto a velha foto de família... Sozinha no silencio do vazio daquele lugar, Maria devolve o movimento para aquele espaço, por algum tempo desabitado... Após tudo limpo Maria faz a vistoria para ter a certeza que tudo estaria perfeitamente asseado. Ao sentir a missão cumprida... Maria senta-se na poltrona e olha cada metro quadrado, como a admirar e voltar às memórias... Quantas historias habitavam aquele lugar, quantas habitantes escreviam aquelas historias... Memórias marcadas pelos traços de vida dos  filhos de Georges e Kamelia... Memórias que mesmo que o tempo as tenha consumido, deixam rastros de historia da saga de quem largou seu oriente para refazer a sua historia... Maria em questão de segundos ouve algazarra de crianças a brincar no tapete vermelho em volta das poltronas ocupadas pelo casal... Num lapso de segundo Maria volta o tempo - e como a bailarina de porcelana chinesa observa todos os movimentos dos habitantes daquela casa... Em silencio, numa ordem quase invisível... Maria de repente desperta para a realidade e vê surgir a sua frente, aquele homem, grande... moreno de expressão quase rude... Mas, que os olhos não escondiam a sensibilidade humana...  Maria incrédula estende sua mão e com um sorriso recebe os olhos emaranhados do velho Georges... A entrega-lhe um pacote com um par de xícaras de porcelanas chinesas de cor marfim, tipo pele de ovo, tudo bem rendada na própria porcelana, e embrulhada em um lindo papel de presente... Maria agradece... E Georges a abraça com um caloroso sorriso, um abraço como se na verdade ele sempre estivesse ali presente, com seu jeito grande de homem assustado, querendo a todo o custo deixar todos acomodados... E Maria num suspiro acorda... Olha para um lado do outro do quarto com se fosse tudo verdade, e ela não tivesse sonhado...


Albertina Chraim 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

4. MARIA E O PASSARO



Era um bosque, desses quase encantado, e ate um tanto assustador... Algo de misterioso...
            Ao longe, ouvia-se o som dos galhos a bater rente as  arvores... O som das sinfonias dos pássaros em meio ao silencio da floresta era ensurdecedor.

          Maria caminhava por  entre as paralelas da trilha da clareira. O clarão dos raios de sol douravam sua pele... O vento cantarolava sua prece, nas hastes do bambuzal a ponto dos pássaros agarrarem-se ao ninho para  não  tombar seus filhotes...

          Maria, diante deste cenário, vai ao bosque para colher flores... Quando de repente uma rajada forte de  vento  sopra-lhe a face.  Ao ajeitar os cabelos olha para cima e vê despencar do alto da arvore um  passarinho.

          Vendo  o desespero do pássaro a bater suas poucas penas  Maria corre na direção a aparar em seus braços  aquele filhote  - tal qual a surpresa de Maria, ao sentir-lhe o calor em suas mãos, Maria ver  segura em seus braços uma criança...e de inocência angelical abre-lhe um sorriso...

        Num gesto sublime  maternal   Maria deita-lhe no cesto... Em  segundos a criança transforma-se em pássaro, bate suas asas e ganha os céus...

         Maria ainda incrédula, olha para o alto como a querer segurar-lhe outra vez... mas, o pássaro contorna a linha do horizonte e se junta a passarada...

         Maria volta-se ao cesto e mais uma vez incrédula, o encontra cheio das mais lindas flores.

        Maria desperta devagarzinho, de seu sonho e em questão de segundos sente exalar em seu quarto o perfume das flores..


Albertina Chraim

terça-feira, 7 de maio de 2013

3. CONTATOS DE TERCEIRO GRAU




 E a multidão, agitada, naquela pacata cidade, olhava para o céu, com olhos arregalados  como susto de menina.
Não sabiam o que viria  de tal nevoeiro que  surgiu  repentinamente no céu.
E  Maria começou  a   correr   no meio do povo para chegar-se bem perto   daquela luz de fogo.  E algo na mente de Maria parecia dizer...  
- Ande, Ande, chegue mais perto...
E  Maria se perdia no meio da multidão afastando as pessoas com os braços, a pedir passagem...
- Saiam, saiam, deixe-me passar...
Mas,  a população, como que petrificada, hipnotizada   por aquela luz, atravancava o caminho de Maria...
A distancia que a separava da espaçonave era pequena, mas  era impossível alcançar-la...
E por telepatia a nave a comunica-se com Maria que em disparada  gritava: saiam, saiam, saiam da frente, preciso passar...
E Maria, a correr entre a população, sentia-se cada vez mais afastada de seu povo...
Tropeçava, caia, tropeçava, levantava e tornava a cair...
Quando consegue vencer a multidão, pensando  alcançar a porta da espaçonave,  Maria sente um vento quente no ar que varria a areia e deitava toda  a relva...
Maria vê a espaçonave se afastando, sumindo no ar,  perdendo-se na vastidão do céu...
Desconsolada Maria  escuta uma voz maior que o próprio universo: 
- Ainda não foi dessa vez  Maria, quem sabe na próxima...
Nesse instante Maria acorda e por momentos imaginava estar em contato com extraterrestre... Observa o silencio  da madrugada, aconchega-se na cama puxa a coberta  e pensa:  foi apenas um sonho!

Albertina Chraim

domingo, 5 de maio de 2013

2. A ANDARILHA E A BORBOLETA






Ao estacionar seu carro, Maria caminhou ate a praia... a praia era dos sonhos,  uma praia reservada...  
Brincando com seus pés na areia, não imaginava estar deixando pegadas.   
No meio do caminho, encontrou velha senhora, suas vestes eram escuras, como errante andarilha, que a convida para sentar e a falar-lhe sobre a vida.
E essa estranha, que de  sua  vida tudo sabia, começou a contar fatos  da vida de Maria. Detalhes tão secreto, que Maria escondia...
         Como em todos os sonhos, num misto de devaneios, realidades ou fantasia, Maria transportou-se  para uma vila...
      Olhou para o lado e não mais viu a andarilha, que com suas vestes rasgadas debulhou a sua vida...  
Maria segue em frente, a conhecer o novo lugar,  que em questão de instantes começa a recordar... já não era tão estranho esse lugarejo, tinha praças, tinha gente,  crianças a brincar...
Maria se deu conta, de que já não mais estava na praia, se tratava de uma vila, onde a tal mulher morava...     
Na cata de uma direção, para poder voltar para casa, Maria reencontra a andarilha que em seu ouvido lhe falava:
 - Em tua sala Maria, habita uma mulher indignada com outra Maria, que no lugar de ouro , ofertou-lhe bijuterias.
E Maria assustada interrogava a andarilha:
 - O que de mim queres com tuas vestes rasgadas... como podes conhecer-me, se  de minha vida nunca lhe contei nada?
         Não se preocupe menina,  nenhum mal lhe farei, apenas peço que me escutes o que  pra ti reservei...
       Vá agora  no ourives  e busque o que te direi,  pendure em teu peito e eu te protegerei...  não blasfeme  tua vida...  nem esqueça o que te falei,  ajoelhe-se todos os dias  em reverencia  reze o Pai Nosso como se estivesse diante de um rei...
         E a velha andarilha, de voz serena, transformou-se em uma borboleta... bateu as asas e foi se embora voando pela janela.
E Maria despertou, com o vento batendo na cortina que com uma leve brisa no ar  entrava por sua janela...
Albertina Chraim

1.O MOSTEIRO



Maria saiu com sua filha para fazer uma trilha, caminhavam pelas encostas de um lugar em ruínas e muito verde. Tudo era deserto, parecendo um mosteiro. Foi diante deste lugar que Maria descobriu um segredo.
Estava sua filha a impor-lhe um desafio...
Vamos mãe!
Vamos mãe!
Vamos fazer rapel e muitas trilhas...
Maria teve medo, mas, ate tentou investir, amarrou-se a tantas cordas e mesmo escorregando tentou subir...           
        Depois de varias tentativas, quase caindo na perambeira, resolveu desistir...
Seu peito estava apertado diante do medo de cair...
Vamos mãe!
Vamos mãe!
Você vai conseguir...
         - Filha, olhe pra mim, não posso continuar!
        Não me apetece essa vida, em perigos querer arriscar...
        Prefiro pisar em chão firme, sentindo meus pés no firmamento, assim acredito viver melhor cada instante, em todos os momento...
Nada contra quem se arrisca...muito menos quem petisca, mas cada um tem seu jeito de vencer os obstáculos de sua vida...
E assim mãe e filha,  sentaram-se na calçada, no meio de tantas ruínas.
Nesse momento de silencio, Maria propôs, a sua filha outra sina...
        Vamos brincar de esconde esconde?
     Cada uma esconde algo, em meio a essas ruinas, e depois o outro vem a buscar o escondido.  Assim inicia-se uma brincadeira de achar um tesouro, e ao catar em cada canto algo que esta escondido, podemos revelar algum segredo que em vida estava esquecido.
        E quem  o achar, o descortina.
    - Olhando a sua volta, nada tinha a esconder, mas abrindo sua mão encontrou a chave de casa...
       - Maria, iniciou assim, a brincadeira... Afastou-se da sua filha... Para esconde o que estava em suas mãos...            

      Maria garimpou o mosteiro... vasculhando cada canto  como quem a desvendar um mundo inteiro... e no meio do matagal  encontrou um altar com imagens de santos em forma de estatua, a orar...   

        Ficou ali absorta, esquecendo-se da brincadeira, mas um lapso de memória a chamou de volta a vida.
     - Olhou nas mãos do santo, em forma de prece estendida, pensou que poderia pendurar a chave de casa e lá estaria bem escondida... 
      Depois de tal façanha, virou-se para chamar a sua filha...
   Mas, ao dar as costas ao altar, a imagem, criou vida, fazendo movimentos, friccionando suas  mãos, e o que tinha, transformou em algo pequeno, como se fosse um amuleto, reluzente como ouro, feito jóia, em leilão.
      Assustada, Maria, indagou a imagem:
    - como podes reduzir em jóia  minha chave?  
   - Pensei que estatuas não tivesse vida, nem vivessem a maldade...
    A estatua de gélida e fria, começa a se movimentar, levantou- se de seu espaço e segurou as mãos de Maria...                                          
        Dizendo em voz doce:
        Não temas, minha filha!
        Tenho para você, uma missão especial!
       Vestirei teu corpo com meu manto - já fui homem em tua terra, hoje sou estatua em forma de memória...
        Já me despi desta aldeia, de homens em pé de guerra.             
     Agora, sou estatua, sem vida, pois dela não mais preciso.    Estou aqui presente em memória, a te mirar em vida.
   Ao ouvir a estatua que agora ganhou vida, reconheceu na sua voz, alguém que tenha conhecido, já teve vida...
   Não temas, Maria, sou eu mesmo que retomei a vida, mesmo que por alguns segundos, pois mais uma vez estarei de partida...
       Quero apenas te entregar a chave de tua vida, para que possas viver... de que forma, não importa... mas tenhas sempre cuidados, com o dia de amanha, pois não sabemos o que vira nessa aldeia de humanos...
      Você é do tamanho que vê, e da cor que suporta, não tenha medos de altura nem precisas trancar as portas...
      Continue com teus desejos de escrever, mesmo menina.    
    Ao descrever-te, pintas o horizonte, logo ali atrás dos montes, em forma de palavras a linguagem de todos os homens...

        E num suspiro aliviado, Maria despertou... desligou seu relógio tomou seu banho, preparou seu café... E seguiu-se  por mais um dia.
Albertina Chraim