Maria pega seu carro e sai para dar uma
volta na cidade que ainda dormia o feriado. Um dia ensolarado, com aquela
aragem de quase inverno com poucas pessoas a habitar as ruas.
No semáforo, fechado para os carros, Maria
observa um homem, de tez rude, já enrugada pela vida, com barbas ruivas e ar
desleixado, sentado do outro lado da rua.
Na sua volta quadros com pinturas de
paisagem cotidianas, misturadas com as paisagens da cidade de pedras.
As imagens pairavam em cima de cacos de
ladrilhos brancos. Do seu lado, potes de tinta guache, o homem usava o dedo
como pincel para traçar novas imagens...
Não se tratava apenas de um morador de
rua, daqueles que pedem dinheiro para comprar um pacote de fraldas para o
filho, ou então para comprar uma lata de leite para o recém nascido que ficou
em casa, ou ainda para juntar dinheiro de volta para sua terra natal.
Maria, que vê coisas que outros olhos não
vêem, observa o homem com os traçados dos dedos a burburinhar palavras como se
tivesse a ouvir de seu lado - Vicent Willem Van Gogh, a lhe dizer: -
- Carregue de azul mais ali!
- Apenas esfumace com os dedos!
Como se estivesse ali, ao pé de seu
ouvido, um grande artista a lhe guiar o traçado...
Maria fica absorta a mirar o homem e sua
obra. Num passe de mágica, como quem esta há cronometrar o tempo que um
semáforo permanece fechado, o homem se levanta e vem em direção aos carros
oferecendo sua obra, ainda molhada, das tintas que não cabiam na lapide fria
daqueles ladrinhos brancos.
O homem passa pelos carros da frente,
passa por mais uma ou duas janelas e para como quem desiludido da vida na
janela de Maria...
Maria, agora, não mais observa a pintura,
mas a tez rude daquele homem com dedos de artista, que antes, em contato com
outras esferas, agora se depara com a frieza do homem em terra.
Maria vendo o homem se aproximar vai
lentamente abrindo a janela de seu carro.
Sem muito tempo a perder o homem se
aproxima e diz:
- Dona é cinco real os dois quadros!
- Eu sei que é muito dinheiro, mas é o que
eu posso fazer, pois os cacos eu junto na rua, mais a tinta, eu tenho que
comprar...
Eu pinto para não enlouquecer, pois essas
imagens ficam dentro de minha cabeça e preciso concretizá-las, são muitas
imagens, e eu não tenho mais onde guardá-las, por isso eu pinto...
Maria, aproximando-se dos cacos de
ladrilhos sente que a tinta ainda fresca não pode ser borrada...
Olha para o homem com olhar perdido no
horizonte, a cronometrar o temporizador do semáforo.
- Dona!
- Apenas cinco real!
Maria perde-se no tempo a admirar a arte
do artista de cara rude, pintada pela vida, agora um pouco mais de perto.
- Moço eu gostaria que você
assinasse sua obra!
- Mas,
dona!
- Ninguém
vai se importar com meu nome!
- Mas eu
vou me importar!
- Por
favor, assine...
- Ta bom!
- Meu nome é Dandi!
Maria, encantada com a destreza do
homem de pele rude e mãos habilidosas, a assinar sua arte, abre sua carteira e
compra as duas obras do artista, por um valor um pouco maior que cinco reais.
- Dandi!
- Esse valor é pela obra, e esse
aqui é para você comprar mais tintas...
Dandi a olhar em suas mãos, o valor que
lhe foi oferecido por Maria, não lhe cabe mais de felicidade...
- Muito
obrigado dona, muito obrigado!
- Qual seu nome?
- Meu nome é
Maria!
- Maria!!!!
- Que nome
lindo, era o nome de mãe!
- Muito
obrigado Maria, muito obrigado mesmo!
Dandi sai em
disparada correndo para recolhe suas tralhas e sai saltitante, como se já
ganhasse a feira do dia...
E Maria vê o homem a sumir diante de seus
olhos como num passe de mágica..
Maria desperta com o buzinar dos carros,
avisando que o sinal já estava verde...
Ao lenvatar-se e iniciar seu dia, Maria
olha na parede de seu corredor e vê as duas obras de Dandi
emolduradas e fixas na parede de sua casa - todos os dias Maria se
questiona se o sonho foi real ou fantasia.
Albertina Chraim